Um tema que vem sendo recorrente nos noticiários remete ao Projeto de lei ordinária proposto pelo Senador Vital do Rego (PMDB-PB) aprovado pela Câmara no dia 06/11/2012, que propõe uma redistribuição dos royalties do Petróleo.
Antes de entrar no mérito, deve ser lembrado que o art. 20, parágrafo primeiro, da Constituição Federal assegura, nos termos da lei, aos estados, Distrito Federal e aos municípios, bem como órgãos da administração direta da União participação no resultado da exploração de petróleo e gás natural, de recurso hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
O supra citado preceito, no que interessa ao tema, é muito claro: atribui aos estados e muncípios o direito de participação sobre a exploração do petróleo nos limites de seu território.
Não devo pretender dar um mergulho nas águas profundas do tema, verticalizando a análise, sob os aspectos político e jurídico, mas são necessárias algumas ponderações, pois esse assunto é de relevância nacional, não se contendo apenas nos interesses dos prejudicados estados e municípios produtores e suas respectivas populações.
O malferido projeto de lei está na iminência de ser submetido à aprovação da Presidente da República, como regem as regras de tramitação legislativa, pondo na mesa novos critérios de partilha de recursos devidos pela exploração das bacias petrolíferas, chamados royalties.
É desnecessário sublinhar as enormes perdas sofridas pelos estados e municípios produtores, muitos deles absolutamente dependentes dos apontados recursos, estando as suas economias alicerçadas nas atividades citadas, mas é imperativo invocar o enorme impacto econômico, com substancial repercussão social, que essa política traz a reboque.
Importa salientar que os estados produtores de petróleo já haviam sido singularmente prejudicados com as regras constitucionais dispostas sobre o ICMS, que, no caso de incidir sobre o petróleo, deve ser pago na ponta da cadeia de consumo, o que beneficia os estados que consomem, não os que produzem. A resposta da Assembléia Constituinte às perdas impostas aos estados produtores pelo citado dispositivo fora a criação de um mecanismo de compensação de tais privações mediante o pagamento de royalties. Como se nota, a alteração das regras, que me perdoem o truísmo, é um duplo golpe, uma lesão que inspira a degradação no tempo dos estados e muncípios produtores , alijando-os de usufruir com supremacia - e como autoriza a Constituição - da exploração econômica do petróleo.
Alguns tributaristas de escol sustentam que essa questão está sendo tratada com significativo desvio de perspectiva, pois os royalties não são espécie tributária e, por este motivo, não devem seguir os mesmos critérios que norteiam a distribuição de recursos arrecadados pelo fisco, que constituem uma ferramenta essencial para reduzir as desigualdades regionais. Ademais, a Constituição garante aos estados produtores e aos respectivos municípios a participação na exploração das jazidas de petróleo, prerrogativa que não se estende a quem não produz.
Atualmente, são destinados 5% sobre a arrecadação da exploração das riquezas do petróleo aos estados produtores. A proposta da lei é aumentar essa participação para 15%, mas incluindo-se na divisão os demais estados e municípios, pulverizando-se a participação dos entes produtores entre todos os demais entes públicos.
Pode se pensar em uma solução conciliatória: aumentar-se o patamar de reversão dos royaltires, mantendo-se 5% para os estados produtores, distribuindo-se 10% para o resto. Mas, isso implicaria em um retardamento na aplicação dos novos critérios, na medida em que o projeto deveria voltar ao Congresso para ser votado um substitutivo, o que atrasaria as operações e a própria arrecadação dos recursos.
Os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo estão se mobilizando por intermédio de suas assessorias jurídicas, visando, a priori, obstar a tramitação da proposta, por meio da impetração de um mandado de segurança. Vale um comentário marginal sobre esta ferramenta jurídica neste estágio de processamento legislativo: a maioria dos Ministros do Supremo não admitem controle de constitucionalidade incidente sobre projetos de leis, por ser um instrumento de violação a Separação dos Poderes, afinal trata-se de uma interferência drástica de um Poder na função típica de outro.Se é certo que o STF é o guardião da Constitucionalidade das Leis e atos normativos primários, não há previsão para que um projeto seja analisado antes de se transformar em lei, considerando, sobretudo, que até a promulgação várias alterações podem ser efetuadas. A atuação do Supremo, por isso, representa invasão na esfera do Legislativo. Mas, há precedente na Corte em sentido contrário, o que ocorreu em caráter excepcional. De certa forma, isso abre a possibilidade de uma discussão preliminar sobre o conteúdo da lei a ser editada.
Por outro lado, há uma tendência de a Presidente aprovar o projeto, impondo o deslocamento da discussão para uma outra arena: o Judiciário. A despeito de ser uma manobra que garantiria a estabilidade governamental, pois atenderia aos interesses da maioria das Casas Legislativas, evita a exposição perante a nação, porém atesta o descumprimento de compromissos e com a palavra empenhada, pois a Presidente, em várias oportunidades pretéritas, afirmou que não aprovaria o projeto. Desta forma, caso não o vete, resultará manifesta contradição com as ideias professadas junto a mídia.
Quais seriam as consequências? Desdobro a questão em dois vetores, fático e jurídico.
Como já dito, e agora repisado, o impacto sobre as finanças dos estados prejudicados serão catastroficas, se não se pensar em macanismos de compensação às perdas econômicas. Além disso, como se contrabalançarão os danos ambientais, provocados pelos acidentes ecológicos, como vazamentos, incêndios e outros riscos inerentes à atividade? Quem arcará com esses prejuízos que transcedem a órbita econômico-financeira? Os novos estados e municípios reverterão sua cota de sacrifício? Teria aplicação o princípio do poluidor pagador? Não há definição de critério, portanto, situa-se no limbo as regras de imputação de responsabilidades, ensejando um ambiente de indesejável turbulência institucional.
Ato contínuo, não se deve ignorar que parte dos royalties está vinculado ao pagamento das dívidas do estado com a União. Alterar as regras representaria fator de extraordinária insegurança jurídica, caracterizando violação de direitos adquiridos e atentado ao ato jurídico perfeito, pois os contratos foram formalizados sob os auspícios da lei vigente na época da contratação. Como ficará a situação do estado do Rio frente a União? Poderia invocar a cláusula rebus sic stantibus, em se tratando de contratos entre Entes públicos diferentes; ou poderia opor exceção de contrato não cumprido? São institutos de direito privado não aplicáveis nas relações jurídicas entre entidades públicas, o que acentua a vulnerabilidade dos estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo, principalmente.
Alternativamente, a mesma Constituição que atribui aos estados produtores royalties sobre a atividade petrolífera, também atribui royalties sobre qualquer atividade mineral e exploração hídrica. Por questão de isonomia, deveriam ser partilhados, mas as oligarquias políticas que sustentam interesses regionais seriam contra e sequer essa possibilidade foi ventilada.
Já sob o ponto de vista jurídico, consta que há uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) de número 4846 demandada pelo Governo do Espírito Santo questinando a divisão dos recursos relatada pelo Ministro Ricardo Lewandowski - ainda na PGR. O prazo para julgamento é de até 4 anos, cabendo liminar. É estranho um processo objetivo dessa natureza, quando nem existe lei ainda. Trata-se de uma precipitação pueril, que enseja a extinção ro processo sem entrar no mérito por absoluta impossibilidade jurídica.
Outros argumentos se sobressaem. A alteração das regras afeta os princípios orçamentários e o planejamento das contas, notadamente no que diz com os planejamentos anual e plurianual, criando instabilidade em suas diretrizes e ações, sem contar a abrupta ruptura do pacto federativo (cláusula pétrea - art. 60 da CRFB), que nem emenda pode alterar.
Mas, o ponto gravitacional dessa questão é o desprestígio à hieraquia das leis. Nenhuma lei ordinária pode neutralizar os efeitos de um preceito constitucional. O projeto de lei, se for aprovado, transformar-se-á em lei ordinária e o conteúdo versado contrariaria manifestamente uma norma constitucional, que se situa no vértice da pirâmide das Leis, gozando de absoluta supremacia. É neste aspecto que reside a grande esperança dos estados produtores. A única forma de legitimar esse pacto congressista é que a norma seja veiculada por emenda constitucional, ainda assim, considerando que a regra sobre a distribuição dos royalties não seja havida como cláusula pétrea pelos membros da Corte constitucional. As cláusulas pétreas, para quem não as conhece, são dispositivos da Constituição que não podem ser objeto de alteração, por caracterizarem princípios estruturantes do Estado. Nesse passo, é crível que o art. 20 seja juridicamente enquadrado nesta categoria. Do contrário a lei a ser editada deve ser fulminada por inconstitucionalidade material, ou seja, por veicular assunto blindado pela própria Carta Política.
Esperamos bom senso no trato dessa questão, sobretudo por tocar direitos consagrados pelo Constituinte originário ao Rio de Janeiro, que não é só maravilhoso por seus encantos e belezas cênicas, mas por suas riquezas naturais.