A vida é um bem disponível para a própria pessoa? Em outros termos, pode a pessoa delegar a terceiros a possibilidade de suprimi-la, isentando-os de qualquer responsabilidade?
Hoje o blog traz um tema extremamente palpitante e polêmico: trará algumas linhas a respeito do chamado testamento vital, um documento que contém diretivas antecipadas das condutas médicas preordenadas por pacientes que possam vir a se encontrar em estágio terminal.
Deve ser registrado, antes, que se trata de uma medida legitimada pelo Código de Ética médica e autorizada pelo Conselho Federal de Medicina, mediante Resolução, de número 1995, publicada em 31/08/2012. Não apenas consente, trata-se de um imperativo de conduta. Impõe-se, portanto, à classe médica, sob pena de sanções administrativas, que sigam as orientações contidas no documento deixado pelo paciente.
Hoje o blog traz um tema extremamente palpitante e polêmico: trará algumas linhas a respeito do chamado testamento vital, um documento que contém diretivas antecipadas das condutas médicas preordenadas por pacientes que possam vir a se encontrar em estágio terminal.
Deve ser registrado, antes, que se trata de uma medida legitimada pelo Código de Ética médica e autorizada pelo Conselho Federal de Medicina, mediante Resolução, de número 1995, publicada em 31/08/2012. Não apenas consente, trata-se de um imperativo de conduta. Impõe-se, portanto, à classe médica, sob pena de sanções administrativas, que sigam as orientações contidas no documento deixado pelo paciente.
Antes, cabe um esclarecimento: como esse espaço não se destina somente a advogados, tenho a preocupação de revestir a linguagem com alguma simplicidade, esclarecendo alguns termos que não são muito usuais ao cidadão comum, leigo e apartado do cotidiano jurídico, para que se alcance um entendimento razoável do assunto.
Permito-me, de início, esclarecer o significado do testamento vital. Trata-se de um ato pelo
qual a pessoa capaz dispõe, total ou parcialmente, sobre os limites terapêuticos a serem adotados em estágio terminal resultante de patologias irreversíveis ou decorrente de acidentes. Admite-se-se optar em não se submeterem a tratamentos extraordinários para manter-se vivos, na fase derradeira de vida diante de doenças incuráveis, como é o caso da insuficiência cardiovascular, câncer, Alzheimer e outras anomalias às quais a ciência ainda não traz uma resposta eficaz ao alto índice de letalidade.
A seu turno, "Diretivas antecipadas" é uma expressão que se confunde com o próprio testamento vital, mas, na verdade, trata-se de seu conteúdo, as diretrizes traçadas pelos pacientes, antes ou durante a doença, em cotejo com a forma em que são estabelecidas.
Outros conceitos, para ilustrar, devem ser apresentados como o significado de Eutanásia, Ortotanásia, Distanásia e Mistanásia.Vamos a eles (Fonte: Luiz Flavio Gomes):
Eutanásia, nos tempos atuais, é entendida como morte
provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Ao invés de deixar a
morte acontecer a eutanásia age sobre a morte, antecipando-a (Grifos nossos). Assim, a eutanásia
só ocorrerá quando a morte for provocada em pessoa com forte sofrimento, doença
incurável ou em estado terminal e movida pela compaixão ou piedade. Portanto, se
a doença for curável não será eutanásia, mas sim o homicídio tipificado no art.
121 do Código Penal, pois a busca pela morte sem a motivação humanística não
pode ser considerada eutanásia.
Note-se que, ausentes os requisitos da eutanásia, a conduta
poderá ser classificada como homicídio simples ou qualificado. Eutanásia não se confunde com testamento vital, que é o direito de decidir como viver quando chegar a morte.O Presidente do CFM, Roberto D'Ávila diz que a eutanásia continua proibida e o médico obrigado a fazer uso de tudo o que for possível para o curar o doente.
A Distanásia é o prolongamento artificial do
processo de morte e por conseqüência prorroga também o sofrimento da pessoa.
Muitas vezes o desejo de recuperação do doente a todo custo, ao invés de ajudar
ou permitir uma morte natural, acaba prolongando sua agonia.
A Ortotanásia significa morte correta, ou seja, a
morte pelo seu processo natural. Neste caso o doente já está em processo natural
da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso
natural. Assim, ao invés de se antecipar (eutanásia) ou prolongar artificialmente o processo de morte
(distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia).
Somente o médico pode realizar a ortotanásia, e ainda não está obrigado a
prolongar a vida do paciente contra a vontade deste e muito menos aprazar sua
dor.
A ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal, pois
não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está
instalado.
Por fim, trago o significado da Mistanásia que afigura-se ligeiramente fora do contexto, mas é sempre bom ampliarmos nossos conhecimentos. Frise-se que a grande maioria das vítimas da mistanásia são pessoas pobres, vítimas da
exclusão social e econômica, pessoas que levam uma vida precária, desprovidas
dos cuidados de saúde e que morrem prematuramente. O termo mistanásia foi sugerido para denominar a morte miserável, fora e antes
da hora. O público da mistanásia constitui-se em: a) uma massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e
econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar
efetivamente no sistema de atendimento médico; b) os doentes que conseguem
ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico; d) por fim, os
pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos,
cientificos ou sociopolíticos.
Pode ser vista frequentemente na Central de Urgência e
Emergência, onde se pode presenciar a agonia de pacientes que sofrem junto a
seus familiares a espera de leitos vagos nas UTIs.
Bem delimitadas as definições acima, pois as referidas situações não devem ser confundidas com os limites de atuação médica, passemos ao centro do tema, o testamento vital e o suporte e regras que devem ser observados pelas partes envolvidas, médico e paciente.
Em primeiro lugar, deve ser indagado se um ato administrativo, restrito a uma classe profissional, como é o caso dessa malferida (ou benfazeja) Resolução, tem capacidade de submeter a sociedade ao seu império. Por outra escora, os efeitos que derivam dessa norma se alargam alcançando todos os indivíduos, não se reumindo a uma questão meramente ética e de interesse restrito. É neste viés que a questão deve ser pensada, pois, a priori, atribui ao profissional da saúde o poder de dispor da vida alheia, ainda que a rogo de seu titular, violando um dos pilares fundamentais da Constituição, o direito a vida. Quem o defende, sustenta-se na dignidade da pessoa humana, que, por ser fonte, sobrepõe-se a qualquer outro direito. Devagar com o andor...Há muitos vetores mais a serem considerados.
Em outra linha, há a ideia de que o médico é um mero executor, um operário a mando do paciente, agindo em consonância com a sua consciência humanitária que o isenta de qualquer punição. Ocupa a posição de carrasco a serviço do paciente, não da lei, sendo mero intrstrumento, apenas o gatilho que abrevia o sofrimento, pode-se pensar. O ser humano tem uma expressiva habilidade de manobrar com as palavras, tem o dom de usar eufemismos para amortecer uma formulação impactante, contrária aos bons costumes e o que seja comumente aceito. Contrariar padrões exige esforço e criatividade. O certo é que não há na legislação civil uma norma que permita o médico tirar a vida de alguém, ressalvado o entendimento recente da Corte Suprema sobre os fetos anencéfalos, o aborto terapêutico, e o decorrente de estupro. Se a resolução é impositiva a classe médica, muito mais subordinante é a Constituição e a Lei, normas de hierarquia superior, valendo invocar a pirâmide de Kelsen, como referência. Se o descumprimento das diretivas pode acarretar até a perda do registro, o seu cumprimento pode levá-lo a prisão ou outras sanções penais.
É de se ressaltar que, não obstante a vida ser um bem indisponível, essa premissa somente é válida quando diz respeito à vida alheia, pois não há repercussão penal ao ato suicida.Desde já a questão que se coloca é: o médico seria autor -ou co-autor -, partícipe, ou apenas um corpo neutro do ato, um meio de que se vale o peciente para suprimir a sua própria vida? É uma indagação na qual os juristas deverão se debruçar.
A revista Veja, na edição de 12 de setembro de 2012 traz uma reportagem sobre essa discussão, trazendo um trecho de um testamento vital feito por uma médica geriatra, dizendo o seguinte: "Eu, AA, diante de uma situação de doença grave em progressão, e fora da possibilidade de reversão, apresento minhas diretrizes antecipadas de cuidado à vida. Se chegar a padecer de alguma enfermidade manifestamente incurável, que me cause sofrimento ou me torne incapaz para uma vida racional e autônoma, faço constar, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, que aceito a terminalidade da vida e repudio qualquer intervenção extaordinária, inútil ou fútil; ou seja, qualquer ação médica pela qual os benefícios sejam nulos ou demasiadamente pequenos e não superem os seus potenciais malefícios. As diretrizes incluem os seguintes cuidados: admito ir para a UTI somente se tiver alguma chance de sair em menos de uma semana; não aceito que me alimentem à força. Se não puder demonstrar vontade de comer, recuso qualquer procedimento de suporte à alimentação; não quero ser reanimada no caso de parada respiratória ou cardíaca.".
Do texto acima colado, foram sublinhadas algumas partes, que traduzem o que seja efetivamente a finalidade do testamento: o poder de eliminar a própria vida, por omissão dos médicos, na iminência do óbito, ou melhor dizendo, terminalidade da vida. Permite-se que, por um processo natural, a morte sobrevenha, com apoio médico, mas sem o manejo de recursos técnicos e químicos apra lhe estender a vida.
Há um ponto importante que pode ser objeto de muitas dúvidas. Como não há previsão desse tipo de testamento no ordenamento legal, has hipóteses numerus clausus enumaradas pelo Código Civil, não há uma forma sacramental, nem um modelo pré-determinado, podendo se dar verbalmente, até. Pode-se nomear um "procurador" a dar-lhe cumprimento (testamenteiro).Ao aviso de todos, ele pode ser alterado ou revogado, não é definitivo, bastando o testador mudar de ideia.
Há um ponto importante que pode ser objeto de muitas dúvidas. Como não há previsão desse tipo de testamento no ordenamento legal, has hipóteses numerus clausus enumaradas pelo Código Civil, não há uma forma sacramental, nem um modelo pré-determinado, podendo se dar verbalmente, até. Pode-se nomear um "procurador" a dar-lhe cumprimento (testamenteiro).Ao aviso de todos, ele pode ser alterado ou revogado, não é definitivo, bastando o testador mudar de ideia.
No Brasil tais acordos não são novidade. A Resolução do CFM dispõe que as diretivas antecipadas prevalecem sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares, conferindo um poder monárquico ao paciente.Muitos países já adotaram medidas semelhantes.
Mas, há muita insegurança que precisa ser contornada. Nem os especialista sabem onde podem ir.Houve uma pesquisa nos EUA, demonstrando que os médicos muitas vezes interrompem prematuramente o clássico recurso de reanimação cardiorespirátoria. Descobriu-se que os idosos internados em hospitais onde a reanimação costuma durar 9 minutos tinham uma chance de 12 % maior de sobreviver e voltar para casa em boas condições em relação àqueles internados em centros hospitalares, cujo tempo de procedimento era menor. O resultado contraria o pensamento comum de que ressuscitar pacientes debilitados é tratamento fútil, uma medida inócua, no final das contas. Acreditam-se ainda que poderiam ficar com sequelas neurológicas graves. Muitas pessoas idosas se recusam em elaborar o testamento por julgar que é cedo, sendo a idade média dessas pessoas 65 anos. Com tudo isso, o médico não deve permitir que o paciente sinta dor se o tratamento não oferecer uma condição digna de sobrevida.
À guisa de informação, esse instituto foi criação de um advogado americano, ativista dos direitos humanos, que buscou densificar o princípio da dignidade humana mediante o direito de dispor da própria vida em casos extremos, de que é exemplo a doença terminal sem chance de cura.Só pode ser utilizado em casos de pacientes naquela condição, que tem sido um conceito irrefutável na medicina, conquanto o perfil esteja mudando (quando sofre de um problema grave e incurável e que não responde mais a tratamentos capazes de modificar o curso da doença). E tem um outro aspecto relevante. Pondera-se o custo e os sacrifícios para a família de um tratamento que sabe ser inofensivo à ação da doença.
Argumentos contrários, contudo, não são escassos. O principal deles tem fundo religioso, pois muitas denominações espirituais conferem a Deus o poder supremo de dar e extinguir a vida corporal, em que pese, no caso da Religião Católica, que se insere no contexto citado, o Papa Pio XII, em dado momento, ter asseverado que ninguém seria obrigado a receber tratamentos extraordinários para manter a vida em caso de terminalidade.
Outrossim, convém endossar que a ciência se desenvolve em altíssima velocidade e o que é considerado terapia fútil hoje pode não o ser amanhã. As técnicas avançam, a farmacologia se desenvolve e curas são descortinadas, abrindo novas perspestivas no campo da patologia. Com os avanços da medicina, o tempo de vida do portador de um quadro terminal aumentou exponencialmente. Com o aperfeiçoamento dos exames de imagem, o refinamento dos remédios e a criação de máquinas para a sustentação artificial da vida, os portadores de doenças crônicas graves atualmente vivem 10 anos a mais do que na década de 80.Além disso, não se depreende, minimamente, no sistema uma autorização para dispor da vida alheia.
Outrossim, convém endossar que a ciência se desenvolve em altíssima velocidade e o que é considerado terapia fútil hoje pode não o ser amanhã. As técnicas avançam, a farmacologia se desenvolve e curas são descortinadas, abrindo novas perspestivas no campo da patologia. Com os avanços da medicina, o tempo de vida do portador de um quadro terminal aumentou exponencialmente. Com o aperfeiçoamento dos exames de imagem, o refinamento dos remédios e a criação de máquinas para a sustentação artificial da vida, os portadores de doenças crônicas graves atualmente vivem 10 anos a mais do que na década de 80.Além disso, não se depreende, minimamente, no sistema uma autorização para dispor da vida alheia.
Novos contornos foram criados no embate entre a manutenção da vida pela medicina e a morte, facilitada por seus operadores e artífices, portanto, para legitimar a Resolução do Conselho Federal de Medicina, deve a sociedade abrir um debate mais aprofundado do tema, que envolve não apenas a ética médica, mas os valores coletivos e fundamentais de um povo.
Muito esclarecedor este artigo, uma vez que toda pessoa tem o direito de decidir sobre sua vida e como deve ser tratada no final da mesma.
ResponderExcluirPessoalmente, não desejo passar pelo sofrimento de ser ligada a máquinas e tubos de respiração, como também não posso me submeter a cirurgias, pois sou alérgica a anestesia e analgésicos. Tenho asma brônquica crônica e estes procedimentos causam edema de glote, matando imediatamente a pessoa, antes mesmo de entrar na sala de cirurgia.
Resta saber se posso digitar o texto, assinar e reconhecer a firma em cartório.