segunda-feira, 27 de março de 2017

TÉCNICA DE SENTENÇA CÍVEL

Depois de me atrever a discorrer sobre como elaborar uma petição inicial e os cuidados necessários ao se estruturar a contestação, passemos a enfrentar a sentença cível e suas particularidades. Não são poucos os detalhes a serem atentados para se esculpir uma sentença de qualidade, objetiva, clara e bem fundamentada, o que exige máxima atenção e zelo do magistrado. Contudo, vemos muitos juízes cometerem erros elementares, o que, lamentavelmente, mostra pouca diligência e desrespeito ao jurisdicionado, ainda que o assoberbamento e as pressões por produtividade possam tentar razoavelmente justifica-los. Por este motivo, o advogado deve ter atenção redobrada, fazendo um pente fino na decisão judicial, para corrigir os equívocos e colocá-la no gabarito, seja por omissão, obscuridade, contradição ou erronia na matéria processual ou de fundo, por meio dos recursos cabíveis. Na verdade, o propósito é elaborar um roteiro prático para estudantes e estagiários consultarem, valendo-me de textos de diversos autores, como Elpídio Donizetti, anotações de aula da Escola da Magistratura e da prática na 48a Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A sentença é composta de três partes, relatório, fundamentação e dispositivo, cada um exercendo uma função específica.

O RELATÓRIO
O relatório é a história relevante do processo. Deve ser escrito cronologicamente, relatando o que ocorreu no processo, usando a forma narrativa e descritiva, incluindo incidentes. Não é necessário resumir todo e qualquer ato do processo (réplica, alegações finais, por exemplo), a não ser que tenha sido suscitado algo que, antes, as partes não tenham alegado e que o Juiz necessariamente terá que conhecer na sentença. Por exemplo: a parte alega a prescrição antes não alegada nas alegações finais. Deve-se entender a delimitação das questões da lide sobre os quais incidirá a análise do juiz. Não significa a transcrição ipsis literis de alegações impertinentes. Não tem relevância, dentre outras ocorrências, o registro de citação do réu, a menos que não tenha apresentado defesa, porque, neste caso, poderiam incidir os efeitos da revelia. 

Deve ser evitado começar as frases com “que”. Embora até seja prático, não é bom estilo. Cuidado com termos técnicos. Direito é ciência e, portanto, possui um nome específico para designar cada instituto, que assim é reconhecido entre cultores e iniciados na ciência jurídica. Assim, petição inicial é petição inicial, não é peça de começo, não é peça exordial, não é só inicial, assim como contestação não é peça de bloqueio, peça de resistência, ou peça contestatória.

Cuidado com neologismos, palavras que ainda não têm registro em dicionário (dilargar, inobstante, etc.). Cuidado, também, com o arcaísmo, vício que todos os operadores do direito costumam incorrer, que consiste em utilizar palavras em desuso. Vale lembrar que o relatório da cautelar e da ação de conhecimento podem ser fundidos em um único relatório, por economia processual. Cada alegação deverá ser feita em um item separado, em um único parágrafo.

Não se recomenda a utilização, embora corriqueira, da expressão “Feito o relatório, passo a decidir” ou “é o relatório, decido”. Dizer que o relatório foi feito é redundante. Melhor será dividir a sentença em relatório, fundamentação e dispositivo. Fórmula: Eis o relatório. Passo a decidir.

A falta de relatório ou da motivação conduz a nulidade da sentença. A falta de dispositivo leva a inexistência do próprio ato judicial.


Deve conter, na ordem:

1. Nome das partes e o rito pelo qual a ação se processa. Não é necessário o nomen juris da ação, até porque muitos advogados não batizam corretamente as suas ações.
2. A suma do pedido:1° IMEDIATO ð Providência jurisdicional condenatória, declaratória ou constitutiva ð Verbos Declarar, Decretar, Condenar ou Determinar; 2° MEDIATO ð Bem da vida a ser tutelado (Plano onde se encontra a possibilidade jurídica do pedido). Não se admite que o autor pleiteie um direito um direito condicionando-o a ocorrência de evento futuro e incerto. A sentença deve expressar providência jurisdicional certa e incondicionada. Quando se tratar de pedido indenizatório, não vale o autor dizer que quer a condenação do réu eu perdas e danos, sem especificar no que consistem, para que não seja inviabilizada a liquidação. O réu não requer a improcedência, pois não deduz pretensão.

3. Causa de Pedir: REMOTA (Fato mais antigo - relação jurídica) e PRÓXIMA (Conflito de interesses – lesão).

4. A resposta do réu (CONTEÚDO), na ordem em que arguiu.

5. Réplica (caso haja fato impeditivo, modificativo ou extintivo oposto pelo réu e se houver questões preliminares e prejudiciais a serem examinadas).

6. Registro das principais ocorrências do processo.

Por fim, convém ressaltar a determinação que os autos venham conclusos, passando a decidir a controvérsia.

A FUNDAMENTAÇÃO
É o conjunto de razões que levam à decisão. Segue uma ordem lógica, imposta pela técnica jurídica. Além do convencimento das partes e da opinião pública, é por meio da fundamentação que o juiz aprecia livremente a prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos e indicando os motivos que lhe formaram o convencimento, ainda que não alegados pelas partes. Eduardo Couture diz que os teóricos da concepção declaratória do processo nos mostram o juiz como um lógico que fabrica silogismos, que mostra lógica, bom senso e cultura jurídica. A sentença, por sua vez, tem numerosas deduções particulares e os círculos dessas diversas deduções particulares são, por seu turno, outros tantos silogismos. A decisão é, assim, uma espécie de pequena constelação de induções, deduções e conclusões. 

Diversamente do relatório, onde se obedece a cronologia dos fatos, na fundamentação, segue-se a ordem lógica imposta pela técnica jurídica, mesmo porque não seria sensato se conhecer o mérito e depois extinguir o feito por carência de ação. Tal ordem lógica recomenda que cada questão seja discutida em um parágrafo ou um conjunto de parágrafos, com nítida distinção visual de apresentação. Na escolha de cada relação processual a ser examinada, tem prioridade a relação antecedente (por exemplo, a oposição é julgada primeiramente que é pretensão de exclusão das pretensões das partes principais). No exame das preliminares tem o juiz um roteiro nos diversos incisos no Art. 301 do CPC. Evidentemente, espera-se que a natural sequência do processo, com o saneamento difuso em todas as suas fases, fizesse com que, ao final, não tivesse o juiz de direito alguma questão preliminar para conhecer. No entanto, esse ideal é raro de acontecer, pela também natural sucessão de fatos processuais, com notável caráter de mutabilidade da relação.     

A redação deverá ser dissertativa (objetiva) e argumentativa (subjetiva). Dissertação implica discussão de ideias, argumentação, raciocínio, organização de pensamento, defesa de pontos de vistas, descoberta de soluções. Significa refletir sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos cerca.  Deve ser evitada a presença de eco, cacofonia, colisão, de expressões surradas, do abuso de advérbios e de outros vícios de linguagem.

 O texto pode ser estruturado da seguinte forma: a) Construção de uma tese (as questões de lide); b) Apresentar argumentos; c) Discutir os pontos controvertidos das teses expostas pelas partes; d) Adequação dos fatos às n0ormas aplicáveis; e) Necessidade de dirimir o conflito e convencer. A tese pode ser defendida com uma única ideia central, mesmo quando exposta com vários argumentos.  Cada tese (ou fundamento do pedido) pode ser desenvolvida em ou mais parágrafos, dependendo do número de ideias centrais utilizadas, e subdivide-se em introdução desenvolvimento (argumentação) e conclusão (amarração).  Esta é uma sugestão de estrutura que torna o texto claro e compreensível; não significa que todos os textos devam obedecer à estruturação sugerida.

O roteiro pode ser resumido assim: 1-Identificar as teses, incluindo a lide secundária, como a denunciação da lide (nem todos os fatos mencionados na inicial e contestação merecem registro na sentença, somente os que tiverem pertinência com o litígio a ser dirimido; 2- Registrar as ideias (nessa fase o que importa é anotar as ideias). Elas vêm, mas também fogem rapidamente. Não se preocupe se elas vêm desordenadas. Depois arruma-se. Tratando-se de assunto de maior complexidade ou sobre o qual se tenha pouco conhecimento, é recomendável fazer pesquisa sobre cada questão a ser debatida; 3- Esquematizar as ideias (estabelecendo as circunstâncias que com a ideia se relacionam, as causas e consequências, a exemplificação, a posição doutrinária e jurisprudencial); enfim, toda a argumentação necessária para justificar ou fundamentar a ideia central.   

Não se conhece do mérito para depois extinguir um processo.

Quando há concurso de ações (reconvenção, intervenção de terceiros, cumulação de pedidos ou causas de pedir) a operação se torna mais complexa, o que exige a organização do pensamento lógico.

Na escolha de cada relação processual a ser examinada, tem prioridade a relação antecedente. A fundamentação da cautelar e da ação de conhecimento é comum.

Nos casos de sentença terminativa o juiz decidirá de forma concisa.

Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

Deve ser ratificada ou rejeitada a tutela antecipada requerida.

Motivação é o conjunto de elementos fáticos e jurídicos que levam à decisão.

Questões são pontos controvertidos no plano processual ou plano material.

Julgamento Antecipado ð Deve ser aberto um parágrafo informando que o Juiz está julgando o processo no estado em que se encontra (não se trata de julgamento antecipado), se for as hipóteses do Art. 330 I e II. Se houver provas requeridas, deve ser fundamentado o indeferimento. Quando as partes não pugnam por provas, sendo incontroversos os fatos relatados, daí a conclusão de que as matérias  relevantes para o julgamento da causa não precisam de produção de provas em audiência para a sua solução, reclamando a hipótese o julgamento antecipado (Art. 330 I do CPC). Portanto, comece na fundamentação (E NÃO NO RELATÓRIO) com um parágrafo dizendo que o processo está sendo julgado antecipadamente justificando sucintamente a opção pelo julgamento antecipado. Verificando o Juiz que as provas pelas quais as partes protestaram são inúteis ou protelatórias, o juiz, a quem incumbe velar pela celeridade processual, deve julgar imediatamente o feito. Se as provas são inúteis, o juiz não está julgando a lide antecipadamente. Está julgando no momento em que tinha que julgá-la. Na ausência de prova direta, deve o juiz valer-se de indícios e presunções, construindo um raciocínio lógico em direção a uma conclusão.

Pode ser usada a seguinte redação (fórmula)

o processo comporta julgamento no estado em que se encontra, nos termos do inciso I do Art. 330 do Código de Processo Civil, pois, em se tratando de direito e de fato a matéria controvertida, não há necessidade da produção de provas em audiência, podendo a causa ser solucionada somente mediante a análise das alegações, documentos juntados pelas partes e dos dispositivos legais aplicáveis à espécie”.

DISPOSITIVO
É a conclusão, a parte da sentença que decide a causa. É nele que se expressa o comando estatal que encerra o processo, com ou sem julgamento de mérito. Há dois capítulos: I - Extrai-se o comando que emerge da sentença (extinção, procedência ou improcedência) Se o pedido for julgado parcialmente procedente, deve-se dizer simplesmente que ele é parcialmente procedente, dizendo tão somente o tipo de provimento a ser conferido. Não é técnico dizer que a parte do pedido não acolhido é improcedente, devendo-se, entretanto, deixar claro na fundamentação que o pleito não procede, sem precisar reproduzir no dispositivo. Neste caso simplesmente se omite no dispositivo; II – Ônus sucumbenciais. Não deve ser incluído no dispositivo qualquer resquício de fundamento como muitos Juízes fazem. Ë tecnicamente errado julgar a improcedência do pedido para declarar qualquer coisa, pois o réu, salvo no pedido contraposto e na reconvenção, nada requer senão a improcedência do pedido, simplesmente. As sentenças constitutivas negativas se fazem por meio de decretação, não sendo declaratórias.  O pedido genérico declaratório é vedado (exemplo: “Requer seja declarado o regime de bens do casal, etc.”). O pedido deverá ser especificado. Deve ser evitado dispositivo indireto, remissivo, como, por exemplo: Julgo procedente o pedido nos termos da inicial. Recomenda-se a menção a todos os elementos necessários à liquidação ou ao cálculo: o valor inicial da correção monetária, e data inicial da contagem dos juros, o que evita idas e vindas dos autos ao contador

FECHAMENTO
Data e Assinatura (tem natureza jurídica de autenticidade. É um ato de soberania estatal) Todas as páginas deverão estar rubricadas.
Deve ser consignado o P.R.I. ð Publique-se, Registre-se, Intime-se. A publicação da sentença é havida na entrega da sentença ao escrivão. A intimação ocorre a partir da publicação no DOE.

TÉCNICA DE SENTENÇA CÍVEL