terça-feira, 25 de novembro de 2014

Cuidados ao elaborar uma contestação


A contestação, como já devem saber, é apenas uma das formas de resposta processual, ladeada pelas exceções, impugnação ao valor da causa, impugnação à gratuidade, impugnação ao litisconsórcio, arguição de falsidade, nomeação a autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo, declaratória incidental e reconvenção.
No artigo de hoje, iremos nos ater apenas na contestação e nos correlatos cuidados que devemos ter ao elaborá-la. Nessa perspectiva, faremos, pontual e articuladamente, algumas observações que servirão de parâmetro para a construção de uma defesa sólida.

O primeiro passo a se dar no delineamento da resposta é fazer uma leitura percuciente, aprofundada, da petição inicial, verificando se há preliminares a serem arguidas, que tratam de questões processuais. Conquanto seja recomendável levantar um capítulo para abordá-las, é importante destacar que o Juiz pode examiná-las, em  qualquer tempo e grau de jurisdição, em se tratando de questões de ordem pública - com exceção da preliminar de convenção de arbitragem. Mesmo que a parte interessada não se pronuncie a respeito delas, o juiz pode fazê-lo de ofício, como autoriza o art. 301 § 4° do Diploma Processual.

As preliminares estão elencadas taxativamente no art. 301 do Código de Processo Civil: Inexistência ou nulidade de citação; incompetência absoluta; inépcia da petição inicial; perempção; litispendência; coisa julgada; conexão; incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; convenção de arbitragem; carência da ação ou falta de caução ou outra prestação que a lei exige como preliminar.

Ultrapassada essa etapa, deve o operador do direito atentar para as chamadas prejudiciais de mérito, alguns preferindo chama-las de preliminares de mérito, como ocorre com a decadência e a prescrição. O Juiz, agasalhando a preliminar de mérito, não necessita enfrentar a pretensão material deduzida. Se o fizer, tratar-se-ão de anotações marginais, o que se convenciona chamar de Obter Dicta (ou Dictum - no plural). É bem verdade que parte da doutrina rechaça conceber a prescrição como questão de ordem pública, porque pode ser renunciada pela parte a quem ela aproveitaria, além de ser válido o pagamento de dívida prescrita, não assistindo o pedido de restituição. Contudo, a Lei entende de forma diferente, portanto, como devemos subordinação ao direito, devemos trabalhar a questão de forma estrita, dentro das balizas da norma.

Por derradeiro, deve o réu defrontar o mérito. Para tanto, há dois artigos básicos que devem ser memorizados: o art. 300 e o art. 302 do CPC.

No primeiro dispositivo, encontra-se implícito o princípio da eventualidade, também conhecido como concentração de defesa. O que se depreende da regra? Significa que cabe ao réu formular toda a sua defesa na contestação, caso contrário, perderá a oportunidade de fazê-lo, posteriormente. Ainda que as alegações sejam excludentes, deve-se proceder assim na contestação. O Código confere ao réu apenas no momento da contestação a possibilidade de consignar todos os argumentos contrários à pretensão, direta ou indiretamente. A omissão do patrono do réu quanto a algum ponto de defesa que poderia ser suscitado leva à preclusão temporal, resultando alguns efeitos que logo abordaremos.

No segundo dispositivo citado, o art. 302 do Código Processual, encontra-se um outro princípio fundamental de defesa: o Princípio da Impugnação Especificada. Traduz-se esse postulado a não admissão de formulações genéricas de defesa, por meio de negativa geral dos fatos apresentados pelo autor. Cabe ao réu impugná-las pontualmente, sob pena de o fato não-impugnado ser havido como existente. Esta fórmula não se aplica quando a defesa tiver sido apresentada por advogado dativo, curador especial ou membro do MP (Art. 302, parágrafo único).

A consequência, como as exceções abaixo e acima mencionadas, da não impugnação especificada dos fatos é a presunção relativa de veracidade dos fatos apresentados pelo autor em sua inicial.

A não impugnação especificada, em algumas situações, não produz o efeito de reputar-se ocorrido o fato não impugnado. São os casos: Se a respeito do fato não for admissível a confissão, como os direitos indisponíveis; se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento público que e lei considerar da substância do ato; se os fatos não-impugnados estiverem em contradição com a defesa: quando o réu contesta apenas alguns dos fatos alegados pelo autor, mas da impugnação destes decorre implicitamente a rejeição dos demais, por incompatibilidade lógica entre o que foi arguido e os atos não apreciados pelo contestante.

Respeitadas as premissas acima, sugiro estudar o caso e destacar quais os artigos da Constituição, da legislação infraconstitucional, atos normativos aplicáveis, além de trechos doutrinários e da jurisprudência que se aplicam ao caso, sobretudo se a questão for extremamente controvertida.

O arremate da peça exige o pedido de extinção do processo sem julgamento de mérito, caso alguma das preliminares seja acolhida ou, uma vez vencidas, o pleito de improcedência do pedido, sem o quê torna-se inócua a defesa.  

Em que pese a necessidade ao apego a Lei, em sentido lato, sempre há espaço para a criatividade do operador do direito, cabendo, neste passo, o chamado argumento de lege ferenda, que se baseia em uma suposta lei a ser criada, dada a razoabilidade e o sentido de equidade e justiça nos fundamentos apresentados, pois muitos artigos de lei são incorporados ao ordenamento jurídico a partir de valores axiomáticos construídos por seus membros, a partir da mudança do comportamento social. Por isso, é muito importante o advogado promover, além da leitura técnica – que deve fazer parte de sua rotina diária – um aprofundamento de sua cultura geral, dedicando-se ao estudo multidisciplinar pesquisando diversos veículos de informação, para que fique antenado com o que se passa no mundo e em sua comunidade, o que o permitirá construir uma sociedade mais justa e solidária.   

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Dicas de como fazer uma petição inicial

Pessoal, entraremos, hoje, no campo da prática da advocacia. Procurarei, em linhas gerais, ensinar os cuidados que temos que ter ao elaborar uma petição inicial, o nosso instrumento material da demanda. Serei breve e objetivo.
 
Em primeiro lugar, esqueçam os modelos. É certo que eles dão um parâmetro interessante de consulta, sob o aspecto das formalidades indispensáveis, mas não são capazes de levar o advogado ao êxito, afinal, o autor de peças estereotipadas, que constam dos livros e mídias especializadas,  não conhece o caso a ser levado a juízo, portanto, não é capaz de dizer como explorar os recursos de argumentação, que são inerentes à personalidade do advogado. É na retórica que está o grande poder de convencimento do advogado, não na forma em que ele leva a pretensão às raias do judiciário, embora rituais de forma devam ser observados, por exigência legal. De toda a sorte, vamos às recomendações para se ter uma peça tecnicamente aceitável, de qualidade, e que predisponha o magistrado à leitura, o que já representa uma grande vantagem.

Em primeiro lugar, precisamos, ao atender o cliente, registrar com detalhes todos os elementos jurídicos que comporão a arena de disputa, o litígio, o foro onde as partes guerrearão por suas causas.  Após este contato, deve-se criar um filtro, eliminando todos os itens sem relevância jurídica à questão de fundo, pois é extremamente necessário sermos objetivos ao nos dirigirmos ao juízo.

De posse do "case", comecemos a peça pelo endereçamento. Não me aterei a regras de competência, mas o direcionamento da peça ao juízo competente exige, mutatis mutandis,  a consulta a Constituição, para saber a competência de Justiça, do Código de Processo Civil, para a competência de foro e ao Código de Organização Judiciária, o que nos dará subsídios para delinear a competência do juízo. Vencida essa etapa, deve o operador qualificar as partes, fornecendo o endereço de seu escritório para eventuais intimações. É bem verdade que o processo eletrônico vem esvaziando um pouco essa exigência, pois as intimações ao advogado são feitas internamente, pelo sistema de acompanhamento mantidos pelos Tribunais em seus sites, carecendo, regra geral, do oficial de justiça e dos correios para efetivar a diligência de comunicação dos atos processuais.

Partiremos, então, para a apresentação dos fatos, que é integrado pela causa de pedir remota, ou seja a relação jurídica de direito material que vincula as partes e a causa de pedir próxima, ou seja a lesão ao direito. E como o fazer? Em minha experiência, venho observando que as pessoas têm uma grande dificuldade de se expressar. Falam bem, conseguem dominar a oratória, mas, na hora de passar as ideias para a linguagem escrita, não logram organizar o raciocínio, o fazem de forma canhestra, usando frases, parágrafos e até locuções desconexas, desarticuladas e sem sentido. Escrever bem é uma arte que pode ser dominada com simplicidade se procurarmos não complicar. É esse o segredo, devemos ser "humildes", evitando rebuscamentos, usando frases curtas e diretas, interditando aquelas expressões pernósticas, que mais do que mostrar erudição, revela inexperiência e insegurança. Vale lembrar que a frase seguinte deve procurar ser a continuação da ideia contida na frase anterior, subsidiando-a , complementando-a ou finalizando-a. Essa interligação chama-se coesão e é um imperativo para um texto inteligível. Quando precisar mudar de assunto no tema, use outro parágrafo. Neste particular, use quantos parágrafos forem necessários, mas desde que haja algo importante a ser dito que não possa ser dispensado. Lembre da premissa inicial: sejamos objetivos e diretos, o que significa podar excessos.

A linguagem técnica, os jargões a aforismos devem ser utilizados com moderação e pontualmente. Jamais invente uma frase para inclui-los. Só os use se for impositivo e o pensamento expresso invocá-lo como uma essencialidade. Se houver alguma expressão de uso coloquial que possa substituir uma expressão em latim, não hesite em usá-la. Por exemplo, em vez de falar, ab ovo,  use "inicialmente", pois a nossa língua é o português e a Constituição e o CPC impõem o uso do vernáculo. A verborragia, além de tornar feio o texto, mostra vaidade e pouco sentido prático. A simplicidade é uma poderosa aliada da comunicação.

Costumo, sempre que possível, usar a técnica do silogismo, ou seja, o uso da argumento dedutivo, como técnica argumentativa. Usam-se: as premissas maiores, nas quais devem ser citadas as normas aplicáveis ao caso, a doutrina que se debruça sobre casos similares e a jurisprudência; descrevo os fatos, consubstanciados nas premissas menores (onde estão contidas as causas de pedir remota e próxima) e concluo, estabelecendo um passadiço entre as premissas, subordinando os fatos ao direito aplicável, dizendo ser o autor merecedor da tutela jurisdicional que está sendo invocada.

Não obstante, cada um tem o seu estilo, e o importante é uma perfeita exposição do caso, apresentando os fundamentos de fato e de direito, com aparelhamento das provas que estão sendo exibidas antecipadamente (pré-constituídas) ou que serão oportunamente produzidas no curso da instrução.

Abro um parênteses para dizer que muitos profissionais têm fetiche pelo capítulo relativo aos direitos, onde citam todas as normas aplicáveis a doutrina e a jurisprudência, ao final da peça. Atuei como assessor de juiz cível e criminal e posso atestar com toda a confiança, trata-se de um erro a evitar, pois o juiz passa por cima dessa parte como "um trator", afinal, da mihi factum, dabo tibi jus (exposto o fato, o juiz confere o direito). Se quiser destacar a norma a ser observada, o que os autores dizem sobre a controvérsia ou destacar a jurisprudência sobre o caso, faça-o no início da peça, ou, até melhor, ao longo da apresentação dos fatos,  permeando-os na narrativa. A possibilidade de o juiz considerar a autoridade de tais elementos é bem maior. Use alguns negritos e sublinhados, sem abuso.

Após o exaustivo registro do fato controvertido, cuidemos do pedido, que usarei no sentido lato, para a finalidade, em paralelo à pretensão, de alcançar a citação, provas e valor da causa, que, em regra, constam do respectivo capítulo. Entendo que seja um ponto que merece muita atenção e cuidado. Há muitos profissionais que deduzem os fatos de forma impecável, mas não sabem fazer o pedido. Esquecem do básico e o fazem de afogadilho, atabalhoadamente, como se quisessem se livrar desse mister, de importância capital ao Estado de Direito. Não será o nosso caso.               

O primeiro dos quatro elementos do capítulo dos pedidos é a citação, ato de chamamento do réu a responder ao pedido. Devemos requerer a citação do réu para responder à demanda, sob pena de revelia e confesso, que em alguns casos não se concretizam, por tratar de direitos indisponíveis às partes.

Posteriormente, devemos nos ater ao pedido propriamente dito, desdobrando-o em mediato e imediato. O pedido mediato é o tipo tutela que se busca, declaratória, condenatória ou constitutiva, mas  é necessário requerer, antes, a sua procedência. Não confunda procedência do pedido com procedência da ação, a qual é um direito abstrato e incondicional, que independe do resultado da demanda. A tutela que se busca é a do reconhecimento da pretensão deduzida. Registre isso, por conseguinte, jamais peça a procedência da ação. É um erro comum que deve ser evitado. Ulteriormente, devemos apresentar o pedido imediato que é a providência jurisdicional almejada, por exemplo, uma indenização, o reconhecimento de uma relação jurídica ou nascimento ou ruptura de uma situação jurídica, como o divórcio, decreto de falência, etc.

Tendo ciência dos fatos e do pedido formulado, se, ainda, houver provas a serem deduzidas na fase instrutória, devemos formular na inicial o pedido de provas que serão produzidas posteriormente ao ajuizamento da ação, devendo ser salientado que todas as provas ao alcance do autor devem ser juntadas com a petição inicial. Essa regra vem sendo flexibilizada pela práxis forense, podendo a parte juntar em qualquer tempo documentos, desde que a contraparte possa se manifestar sobre elas e que se dê a juntada antes da sentença. Além disso, incorporou-se na prática judiciária a mania, para não dizer um vício burocrático dos juízes de, após eventual réplica, proferir despacho para que as partes digam quais as provas desejam produzir. O Código Processual prescreve que o autor deve fazê-lo na inicial e o réu na contestação, portanto, é uma providência despida de lógica e técnica que só rende perda de tempo e economia processual, reduzindo a marcha do processo.

Por derradeiro, deve ser consignado o valor da causa, que, em regra e quando possível, deve dimensionar o benefício econômico buscado com o processo. Em alguns casos o Código e Leis esparsas estabelecem regras que nem sempre correspondem a esta mercê, regulando a questão de forma peculiar, como ocorre com as ações de despejo e que envolvem contratos.

Devemos datar, apor o tradicional "Termos em que pede deferimento" e assinar a peça, pois uma peça apócrifa (sem assinatura) é considerada inexistente. Mas, os juízes sempre instam os desatentos a sanarem a irregularidade, antes de extinguirem o processo.

Senhores, é óbvio que não poderia deixar de atentá-lo que o trabalho do juiz é um serviço público oneroso que impõe o recolhimento de custas e emolumentos, devendo ser consultada a tabela anual de custas elaborada pela Corregedoria de Justiça dos Tribunais ou pelo Órgão estabelecido pelos Regimentos das Cortes.

Espero que tenham aprendido e apreendido a lição. Em um próximo artigo, irei tentar dar uma pincelada sobre como fazer uma contestação. Até lá!!!

 

TÉCNICA DE SENTENÇA CÍVEL